Copacabana Mon Amour (1970) - Rogério Sganzerla
Em seu primeiro filme pela sua produtora Belair Filmes, Rogério Sganzerla faz uma alegoria do Brasil - e dos brasileiros - utilizando Copacabana, símbolo da Cidade Maravilhosa e cartão postal do país na década de 60. O diretor está interessado em nos mostrar o lado da miséria, escondida pela ditadura, abraçando o "lixo" sem medo de quebrar as convenções pré-estabelecidas e criando aqui uma das principais obras do que ficou conhecido como "Cinema Marginal".
Influenciado pela Nouvelle Vague francesa, Rogério Sganzerla aposta aqui numa obra longe das estruturas tradicionais, misturando o realismo cruel de sua câmera quase documental com momentos de fantasia e experiências lúdicas. O diretor não parece estar preocupado em contar uma história com início, meio e fim, mas sim em focar na interação dos personagens com o ambiente e na influência dele para com os mesmos, sempre criando contrastes entra as "duas Copacabanas", assim evidenciando o descaso com o Cantagalo-Pavão-Pavãozinho e o falso glamour da cidade turística.

O longa acompanha Sônia Silk (Helena Ignez), uma prostituta aspirante à cantora da Rádio Nacional que vê espíritos e é levada a acreditar por sua mãe que ela e seu irmão homossexual, Vidimar (Otoniel Serra), estão possuídos por demônios. A personagem da Helena Ignez reflete uma vontade de ascensão que sempre está contida em meio à miséria. Em busca desse progresso, a protagonista, envolta de batidas de rituais africanos, decide descer a favela. Após o término dessa derrocada, Rogério Sganzerla usa a montagem para nos levar direto pra a elitizada praia de Copacabana, enquanto um homem fantasiado de fantasma, em catarse, exclama: "Nessas condições, imóvel diante da grande miséria nacional, o otário só pode seguir dopado de sol, da cachaça e de magia. Até um dia acabar de vez com essa nossa evidente necessidade do samba, da necrofilia e da saudade. O sol de Copacabana, enlouquecendo certos brasileiros em pouquíssimos segundos, deixando-nos completamente tarados, atônitos e lelés, as forças sobrenaturais paralisando-nos; nós os fantasmas esfomeados do planeta". Então, entra um rock em inglês. Tudo isso intercalado com Sônia Silk pregando seu ódio à pobres e declarando seu sonho de ser a cantora mais famosa, tal qual um brasileiro padrão com síndrome de vira-lata que menospreza sua cultura.
Aqui, para transparecer a apatia e a impossibilidade de realizar seus ambições, Helena Ignez entrega olhares perdidos enquanto anda por Copacabana interagindo com os (não) figurantes e, em certos momentos, usa o corpo afim de enfatizar o frenesi vivido pela protagonista. Otoniel também faz bastante uso do corpo para dar vida a um personagem conturbado, que está apaixonado pelo chefe que o maltrata - falta uma camisa da CBF - e vai à rua exclamar seu amor.
Mesmo sendo apenas seu segundo trabalho assinando como diretor de fotografia, Renato Laclete compreende a natureza de Copacabana Mon Amour, desenvolve a narrativa de uma forma energética, prioriza à instabilidade da câmera na mão, passeia juntos com os personagens e adota o formato CinemaScope para expor a mise en scène caótica do bairro. Também marcando presença, o design de produção confere personalidade aos personagens: Silk com seu vestido vermelho e seu irmão com predominância do rosa.
E aqui uma das maiores belezas do filme: a majestosa trilha sonora do gênio Gilberto Gil. Rogério Sganzerla utiliza músicas comuns de rituais de matrizes africanas em cenas na favela, e, quando fora dela, usa as composições do talentoso músico, que faz uma mistura de gêneros brasileiros e estadunidenses, inclusive dos idiomas, nos mergulhando nas ruas de Copacabana junto com a extraordinária edição de som, que nos imerge no frenesi dos personagens e transmite o caos que era o Brasil durante a ditadura.
É isso que seria o filme sem a mão do genial Rogério Sganzerla: um caos. Mas, brilhantemente, o diretor se aproveita dessa desordem deixada pela ditadura para criticar a mesma. Copacabana Mon Amour é o resultado de uma vontade de cinema presente em seu realizador, que incorpora todas as limitações orçamentárias e as usa em seu favor para falar sobre o Brasil que estava - e está - em baixo do tapete. É um grito desobediente e um chamado à luta armada.